Poluição sonora: ruídos de todo tipo atordoam moradores de BH

por Isabela Bernardes – Estado de Minas

São em média de 33 reclamações por dia na PBH e, afirma especialista, barulho ameaça a saúde pública

 Imagine este cenário: buzinas, pessoas gritando, música alta, motores acelerando e microfones ecoando diversos tipos de mensagens. A quantidade massiva de sons pode causar certa irritação só de pensar, mas fica pior quando passa para a realidade. Na capital mineira, não é difícil encontrar tal sinfonia, especialmente na Região Centro-Sul da capital.

Não à toa, a regional concentra a maioria das reclamações de poluição sonora na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Somente no primeiro semestre de 2023, foram 1.401 registros. A exposição excessiva a barulhos não causa apenas perda de audição, mas também problemas de saúde diversos, como ansiedade, dificuldade de sono e problemas cardiovasculares.

A preocupação com o barulho é assunto recorrente para quem mora próximo a um desses ambientes: bares, boates e casas de shows, templos religiosos, comércio em geral e construção civil. Segundo a PBH, essas atividades são campeãs de reclamação na cidade, que registrou 6.013 queixas entre janeiro e junho deste ano.

Em média, foram 33 ligações por dia, que se concentram em alguns bairros mais que em outros. Segundo um levantamento feito pela PBH, o Centro originou mais denúncias, seguidos bairros Santa Tereza, Savassi e Castelo.

O coordenador do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte, Fernando Santana, explica que a fiscalização nem sempre atua para cessar os problemas.

“Há uma discussão sobre a harmonização das residências com estabelecimentos comerciais, e as associações de moradores de todos os bairros recebem muitas reclamações de que a fiscalização não tem atuado para coibir os excessos. Isso tem causado problemas de saúde diversos, porque há pessoas passando a noite acordadas”, diz.

A lista de lugares barulhentos é extensa, mas a prefeitura afirma priorizar o pronto-atendimento, principalmente entre quinta e domingo, apesar de não conseguir suprir a demanda diária, pela quantidade de chamadas e falta de pessoal.

“Às vezes, o estabelecimento que levou uma multa, acumulou 10 moradores ligando e, quando constatamos haver poluição sonora em uma casa, já não medimos nas seguintes. Mas, se for necessário, a medição é feita em mais de uma solicitante”, explica Carlos Rocha, diretor de fiscalização da PBH.

As normas do silêncio

No Brasil, não há uma única lei federal que estabeleça e fiscalize os níveis aceitáveis de barulho, e cada estado e município criam as próprias normas.

Em Belo Horizonte, a legislação determina que sons não ultrapassem 70 decibéis (dB) em período diurno (7h01 às 19h), 60dB em período vespertino (das 19h01 às 22h) e 50dB em período noturno (das 22h01 às 23h59).

Durante a madrugada (0h e 7h), 45dB. Às sextas, sábados e vésperas de feriado são admitidos 60dB até as 23h.

O grande problema da permissividade do barulho é um desfecho crítico da situação: o incômodo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a poluição sonora a segunda maior causa de problemas na saúde de pessoas, por desequilibrar o corpo, aumentando a liberação de hormônios diversos.

Adoecimento da população

A poluição sonora é preocupante globalmente, por isso, o mapeamento de zonas ruidosas e dos efeitos delas no corpo humano é essencial para entender questões de saúde pública, como explica a fonoaudióloga e doutora em Saúde Pública, Fernanda Abalen. Em uma pesquisa no Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), ela constatou que a poluição sonora pode afetar os seres humanos de duas formas: efeitos auditivos (perda da audição, zumbidos no ouvido etc) e não-auditivos (desequilíbrio no corpo).

A primeira é mais fácil de diagnosticar, ao passo que a segunda é pouco conhecida e de difícil associação, mesmo com evidências científicas.

“Há estudos que comprovam a relação dos problemas de saúde com barulho, mas socialmente, é muito complexo. Usamos como referências as normas regulamentadoras brasileiras, respaldadas por pesquisas que explicam os valores máximos saudáveis, mas um vizinho incomodado com o barulho ao lado é visto com maus olhos”, explica a pesquisadora.

Quando uma pessoa se sente incomodada com algo, isso provoca um desequilíbrio do organismo de maneira geral. No momento em que um som gera esse incômodo, isso desencadeia uma série de alterações orgânicas, que podem gerar pressão alta, dificuldade de sono, alterações digestivas, problemas cardiovasculares, ansiedade, estresse, distúrbios de aprendizagem e até infarto.

Mesmo aqueles que, porventura, não se incomodam com ruídos recorrentes podem ser afetados pelos distúrbios, por haver um fenômeno chamado habituação.

“A pessoa fica exposta por muito tempo e se acostuma. Ela afirma que não incomoda, mas relata, por exemplo, dificuldade para dormir, realizar tarefas de concentração, não tem boa digestão, entre outros problemas. A habituação não quer dizer que o organismo não sente”, completa a especialista.

“Inferno”
Para quem mora próximo a uma fonte de som já é difícil de lidar com os ruídos, porém, para quem está ao lado de duas ou mais, a situação se torna insustentável, garante Beatriz Alves, moradora do Condomínio Monjolo, no Bairro Floresta, Região Leste de BH. Há 20 anos no edifício, ela narra as mudanças ao longo do tempo.

“Junta todos os barulhos da região, a Praça da Estação com eventos e ensaios o ano inteiro; debaixo do Viaduto Santa Tereza com eventos; a Rua Sapucaí com todos os bares e uma casa de shows próxima ao prédio. Não era assim, mas tornou-se um inferno. Sou psicóloga e evito fazer atendimentos às sextas e sábados, devido ao barulho. Enquanto meu filho, que fazia home office até a noite, precisou se mudar”, conta.

Segundo Idelson Carmo de Araújo, síndico do prédio, as reclamações são constantes e os moradores já chamaram a fiscalização, a polícia e até acionaram a Justiça em alguns casos, mas nada resolveu completamente a situação.

“O impacto negativo no prédio está muito forte, há pessoas querendo se mudar por causa disso. Há quem não consegue dormir e precisa mudar de cômodo. Outros consideram colocar proteção acústica nas janelas, para barrar o som”, afirma.

QUEIXAS PELA CIDADE

Confira as regionais e bairros com mais reclamações em relação a ruídos

Centro-Sul 1.401

Pampulha 1.155

Oeste 736

Leste 719

Noroeste 616

Nordeste 561

Venda Nova 329

Norte 250

Barreiro 246

Total 6.013